Copa, eleições e o lastimável papel das esquerdas nas “jornadas de junho”: desabafo aberto a quem possa interessar.

Meio mundo já escreveu sobre se houve ou não houve Copa. Imagino que historiadores do futuro olharão para esse debate como se se tratasse de uma conversa entre dementes. Muita retórica foi gasta pelos intelectuais de plantão para provar que a realidade não aconteceu.

 

“E, no entanto, se move” disse Galileu.

 

A Copa veio, aconteceu, houve jogos memoráveis e momentos de ópera bufa por conta dos grandes conglomerados midiáticos que perderam o tom do ridículo. Os aeroportos funcionaram, os estádios ficaram prontos e os turistas “bombaram” como diz a meninada.

 

Houve atrasos nas obras de mobilidade? Sim, e muitos deles exatamente por conta dos movimentos sociais que aproveitaram o momento político para encurralar o governo com suas demandas, algumas justas e outras totalmente descabidas.

 

Durante os doze meses que antecederam a Copa, vimos as ruas tomadas de assalto por grupos raivosos esbravejando da maneira mais incoerente uma revolta que desejava ecoar a Europa e os países árabes. Uma revolta gestada nas redes sociais e até hoje não sabemos financiada por quem ou como.

 

Gritos generalizados contra a corrupção e reivindicando saúde, educação e passe livre. Críticas frequentemente dirigidas às instâncias erradas da administração pública, por grupos que nem sabem como funciona o país, mas que se esbaldaram com seus quinze minutos de fama, transformando em caos a vivência cotidiana nas grandes cidades brasileiras.

 

Passei um ano perguntando aos meus amigos deslumbrados: onde está o povo? Por que suas manifestações não empolgam os cidadãos comuns? Por que vocês não conseguem transcender esse discursinho besta feito de chavões e clichês políticos antiquados e análises sociológicas bitoladas? Só o que consegui foi ouvir mais incoerência e a repetição ad nauseam do #nãovaitercopa e outras boçalidades afins.

 

Perdi o respeito por amigos de décadas nessa jornada e lamento muito por isso. Mas certamente não há como voltar ao que éramos, muito ódio gratuito foi destilado nas redes sociais, dedos foram apontados e juízos de valor proferidos em um clima de histeria medonho.

 

E, enquanto isso, a direita partidária sentou para assistir enquanto os partidinhos nanicos da esquerda detonaram o único governo que minimamente chegou perto de alguma reforma social, em quinhentos anos de História no Brasil. Se existe algum motivo de vergonha nos acontecimentos dos últimos treze meses, é exatamente o papel lastimável das esquerdas radicais anti-tudo.

 

E, antes que algum sociólogo embriagado por textos franceses venha me dizer que direita e esquerda já não definem nada, por favor, vão estudar História!!!! Parem de obrigar a realidade a caber em suas categorias patéticas de análise e comecem a olhar para as pessoas que vivem e trabalham, não as tratem como “massa” e muito menos desmereçam seus anseios e trajetórias neste mundo.

 

Eu sei que nenhum dos meus amigos quer sequer aventar a possibilidade de ter servido de massa de manobra, todos são tão inteligentes!!! Mas, se vocês tivessem aprendido com o exemplo da Espanha, quem sabe a nossa conversa hoje estaria sendo outra.

 

Em 2012, os indignados tomaram de assalto as ruas da Espanha, e não eram quatro ou cinco mil como aqui, eram centenas de milhares. Pregaram o voto nulo como uma maneira de “mostrar” sua insatisfação. O voto nulo na Espanha elegeu a direita franquista genocida com ligações estreitas com a Opus dei. E estamos vendo, dia após dia, os espanhóis sendo levados à ruína e ao desespero econômico, enquanto a elite abocanha gordas fatias de verbas públicas da maneira mais deslavada.

 

E mesmo assim, meus amigos inteligentes querem que o brasileiro anule o voto em massa. Anular o voto não serve absolutamente para nada se não houver um planejamento rígido de desobediência civil para após as eleições, nesse sentido quem anula o voto deveria parar de recolher os impostos e deixar de usar os serviços do Estado, passando a organizar-se em comunidades autônomas. Fora disso, o voto nulo é apenas uma bravata que somente beneficia os setores mais retrógrados da sociedade.

 

Sintomático é ver jovens que se beneficiaram a vida inteira das estruturas democráticas (conquistadas a duras penas e com concessões que nos doem no âmago) argumentando aos berros que vivemos em um estado de exceção e numa ditadura. Eu me lembro de como é uma ditadura de verdade porque vivi em duas, no Uruguai e no Brasil, e posso assegurar aos meus jovens amigos que vocês não durariam nada nelas, de tão acostumados a ver o mundo a partir do próprio umbigo.

 

Sintomático também é ver o tanto de “revolucionários” concursados no serviço público…

 

Os meses que nos separam das eleições prometem uma campanha de nível ordinário, a julgar pelo comportamento nas redes sociais. Como será o dia seguinte é o que ninguém está se preocupando em assumir. Quem vai pagar os custos e assumir as reponsabilidades se toda essa inconsequência das ruas eleger um modelo neoliberal que sucateie de verdade o país, destruindo as conquistas tão a duras penas obtidas?

 

Certamente não serão os partidinhos trotskistas e muito menos meus “amigos de Facebook” que são tão “descolados” a ponto de considerar-se acima do povo que defendem.

 

Triste e lamentável.