Talvez não fosse preciso afirmar sua existência com tanta veemência se houvesse algum sinal positivo ou sensato de governança. Mas não é o que parece, afinal, a cada dia surge um escândalo envolvendo seu partido, sua campanha ou sua família, e o governo segue atabalhoado rifando o país. E nem assim conseguindo cumprir o que seus eleitores e seus apoiadores esperavam dele.
Nada a estranhar, uma vez que, oriundo de várias carreiras em que se revelou de uma inutilidade crassa, quem poderia esperar que pudesse ser um bom presidente? Militar prematuramente reformado por indisciplina e instabilidade mental, bem como deputado com quase três décadas de mandato sem ter jamais proposto ou aprovado qualquer lei relevante. E quando candidato, esquivou-se de debates e escondeu-se em hospitais, sob alegações variadas, e depois de eleito segue pelo mesmo caminho, isso para dizer o mínimo.
Seu programa de governo, se é que pode ser chamado assim, consiste em desmontar qualquer sistema de seguridade social e promover os interesses da Ianquilândia na Bruzundanga, mesmo que isso mate até o último de seus habitantes. Para tanto, as pautas de Saúde, Cultura, Educação, Meio Ambiente, Trabalho e Previdência vêm sendo sistematicamente destruídas e os direitos dos cidadãos (mesmo quando constitucionalmente garantidos) vêm sendo obliterados sob a égide de uma novilíngua hipocritamente atroz. E como solução para as mazelas decorrentes da pauperização deliberada da população, o beócio oferece a posse de armas de fogo e um discurso pateticamente anticomunista e perigosamente fundamentalista.
A julgar pelo andar da carruagem, os bruzundangas chegarão ao segundo quartel deste século pobres, sem chances de aposentar, dependendo de um sistema de saúde pública destruído, assolados por epidemias, violência, depressão e suicídios. Mas todos serão cidadãos de bem, tementes a seu deus surdo, defensores da família, da propriedade e de uma pátria que os rejeita para beneficiar o capital estrangeiro. E não aceitarão a doutrinação dos professores comunistas, ateus, hereges, defensores da Evolução, da Liberdade de Pensamento, da Justiça Social e da Igualdade Econômica.
Os setores médios da população, que precisaram de quase oitenta anos de favorecimento estatal para conseguir consolidar-se e apoiaram freneticamente a eleição do infeliz, hoje correm o risco de desaparecer por completo e juntar-se aos pobres, que tanto os incomodavam no governo anterior. Os pobres, que emergiram da miséria para um novo patamar de consumo e viraram as costas aos governos progressistas, abraçando a agenda conservadora como se fosse sua única identidade, já estão de volta às origens sem nem saber o que lhes aconteceu. Os ricos (os verdadeiramente ricos a ponto de figurar em listas de revistas estrangeiras e detentores de patrimônio e efetivos suficientes para três ou mais gerações de seus descendentes), esses continuarão enriquecendo e brindando à cobiça, à ignorância e à mesquinhez de seus compatriotas.
Mas a maior parte dos bruzundangas parece pensar que esse é um preço justo a pagar para livrar-se da “corrupção” e do “populismo” das agendas progressistas. Que seu deus surdo os livre e guarde de ter que conviver com famílias gays, mulheres independentes, cidadãos negros em condições de igualdade ou qualquer agenda minimamente civilizatória. Para eles qualquer genocídio é justificado desde que seja em nome de seus valores artificialmente fabricados pela mídia golpista e seus pastores fajutos.
Nesse sentido, o atual presidente cai como uma luva porque é a representação propriamente dita da mediocridade enfatuada, que seus ministros tanto alardeiam. Com sérias restrições cognitivas, parece incapaz de articular falas coerentes e análises minimamente aceitáveis da realidade, cobrindo de vergonha aqueles setores da população minimamente pensantes que ainda se preocupam com a opinião pública internacional. Chamá-lo de troglodita seria cometer uma injustiça com os homens primitivos, uma vez que a maior parte de seu comportamento violento, sádico e amoral provém mais de alguma sociopatia do que propriamente de algum atraso mental ou primitivismo.
E ele não vem sozinho, sua prole o acompanha. Três rebentos igualmente lombrosianos e (por que não dizer?) freudianos, mendigando a aprovação paterna através de gestos truculentos e intimidando os que consideram seus inimigos. Tempos atrás, porque eu acompanho a vida na Bruzundanga há décadas, pensei em apelidar ironicamente os rebentos de Uday, Qusay e Numsay, em referência evidente à malfadada prole do executado presidente do Iraque. Mal sabia eu que o tempo se encarregaria de transformar minha piada obscura em uma triste realidade.
O dito presidente da Bruzundanga mal esquentou a cadeira e já se revela um flagelo para seu povo, muito mais pela sua inutilidade e incompetência, do que pela sua agenda absurdamente destrutiva. Sua incapacidade para mediar os distintos setores do governo e sua falta de habilidade para articular o que quer que seja (a não ser petit crimes) diante dos outros poderes da República há de custar muito caro aos bruzundangas. Para regozijo das grandes corporações internacionais, dos banqueiros, da Ianquilândia e das elites endinheiradas que adorariam virar um protetorado ianque e abrir mão de sua identidade como país, tal sua natureza capachilda.
Mas, enquanto isso não acontece, os setores progressistas da Bruzundanga se estorcem à procura de uma saída, em meio à amargura e à depressão geral. Enquanto ministros fundamentalistas “expurgam” o setor público de qualquer simulacro de civilização, para implantar suas interpretações canhestras e infantilmente literais sobre educação, cidadania e religião, o presidente aplaude a vitória sobre a “conspiração comunista internacional”. Porque, no final das contas, a Bruzundanga está reduzida a ser governada por uma corja de saqueadores associada a um bando de malucos com papel alumínio na cabeça, replicadores das mais estapafúrdias lendas urbanas e teorias de conspiração.
E, a esta altura, o leitor amigo me perguntará: e você, a quantas anda na Bruzundanga? Qual é o seu papel enquanto Nero incendeia Roma? Será você Petrônio, aceitando a ordem de suicídio, ou será você apenas uma ninguém assistindo impotente à catástrofe anunciada?
Eu, meu caro leitor, sou uma ninguém impotente do ponto de vista do poder político e econômico. Mas também sou historiadora de formação e tudo o que me resta é preservar o conhecimento para as gerações futuras. E narrar e narrar e narrar e narrar e narrar a tragédia, até que ao menos alguém me tire este fardo ou se una a mim nesta missão.
Até lá, somente você meu leitor é testemunha de que os meus vaticínios de Cassandra do Apocalipse, neste blog, vão tornando-se a triste realidade nesta Bruzundanga tão sofrida e tão cega.